sexta-feira, 25 de maio de 2012
sou nada e ninguém me vê
Sou nada e ninguém me vê.
O tempo passa sempre igual e neste vazio rotineiro em que se tornou a minha vida arrasto a minha pouca coragem.
Há dias o comboio parou.
Alguém se atirou à linha e stop enquanto se desenrolavam os processos legais.
Ficámos todos dentro das carruagens,
primeiro perplexos,
depois ansiosos
e logo excitados e com nervoso miudinho.
Tagarelavam sobre o assunto como se fosse tema de convívio.
Agitação, gente nos corredores, telefonemas, espreitar pelas portas e janelas. Uma estrangeira interrogava porque se riam as pessoas, porque falavam com tal vivacidade.
Sentia ela como se tivesse esmagado,
a própria feita máquina,
o corpo ainda quente na primeira pessoa do singular com ferro e metal.
Sentia debaixo de si.
A massa de sangue nos carris.
Eu fiquei calmo.
Não tinha pressa.
Não ia a lado nenhum.
Nada de novo.
E ali estava acompanhado.
Deixei-me ficar sentado.
Pus-me a imaginar o espírito do suicida a deixar a carne sem vida.
A passar por nós e a elevar-se no ar
como um balão que se desprende da mão de uma criança empurrado pelo vento.
Amen.
Que assim seja.
Agora também estou calmo.
Ninguém me vê e todas as semanas há mais um que se atira à linha.
De todas as vezes me interrogo:
será neste?
- A Rapariga Que Queria ser Feliz Todos os Dias, d´Orzac, 2012.
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