terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Feliz Solstício! Feliz Revolução Mental!
Edital informativo distribuído hoje, 21 de Dezembro, na reunião bi-anual de Solstício do Alto Concílio dos Seres Sensíveis e Inteligentes (ACSSI) - ano de dois mil e dez do calendário gregoriano, a decorrer em local secreto:
A Revolução da(s) Mente(s) Portuguesa(s)
Portugal recolocado na vanguarda do mundo civilizado!
Portugal inaugura a nova ordem do pensamento do século XXI!
O Portugal de Camões, de Pessoa, de Pascoaes, de Vieira e de tantos outros ilustres pensadores foi superado e tornado por fim realidade e visível, exemplo modelar, para os que nunca compreenderam como é que um país que tão insistentemente deu provas de tacanhez existencial e filosófica ao longo da sua modernidade e pós-modernidade, pôde engendrar e concretizar uma Revolução com Flores e sem Sangue – assunto todavia ainda por esclarecer mas cujo esclarecimento não cabe resolver neste edital! Fazendo juz à rainha D. Maria I, orgulho de todas as portuguesas e portugueses pela abolição da pena de morte e à grande mulher que foi a rainha D. Maria II pela proibição das práticas tauromáquicas em 1836, o demo reivindicou, escolheu legisladores e representantes políticos à altura da missão, e clamou:
Basta de sangue e tortura! Basta de miserabilismos existenciais! Queremos existir de uma forma plena, inovadora e sensível! Conquistámos o mundo no espaço geográfico com os Descobrimentos, conquistamo-lo de novo agora, no espaço da ética e da mente! Não vamos fazê-lo, como de costume, daqui a cem anos, quando já todos os outros o tiverem feito, fazemo-lo agora! Portugal é vanguarda inteligente, senciente e activa! Temos sol, ar e água, temos campo, montanhas, planícies, mar, rios e neve! Temos Inverno, Primavera, Verão e Outono! Temos o que temos, para que a Natureza extra-humana, a biosfera na sua totalidade e nas suas partes dominadas, seja por nós moralmente reconhecida como «fim em si mesmo» e integre o conceito de bem cósmico e supra-humano! A tradição jurídica humanista modernista deve ser reformulada, já que a Natureza possui valor intrínseco e como tal é digna de respeito! O conceito de «fim em si mesmo» atribuído apenas aos sujeitos humanos desde o Iluminismo deve ser alargado aos restantes sujeitos da Natureza e do Cosmos! Este tem sido o ponto de convergência do pensamento dos mais sérios pensadores da ecologia profunda. Nós, Portugal e portugueses, somos o país pioneiro no reconhecimento destes valores e na concretização de uma mudança de paradigma! Fartos de capitalismos, de consumismos, de reducionismos, de mecanicismos, de oportunismos e outros ismos, queremos a Vida! Queremos elevação ética e existencial!
A Natureza foi assumida como sujeito de direito, todos os seres não-humanos são pessoas jurídicas e… a meditação é praticada por todos sem excepção, uma hora por dia! Sim, porque surpreendentemente, Portugal é também o primeiro país do “mundo desenvolvido” a reconhecer de utilidade pública a prática da meditação transcendental! Em convénio com a David Lynch Foundation for Consciousness-Based Education and World Peace, o governo português tomou medidas efectivas de forma a proporcionar a todos os seus cidadãos o acesso quotidiano a esta prática de reconhecidos efeitos positivos no bem-estar individual e colectivo. Nas escolas, nos serviços públicos e privados, no parlamento, na cidade e no campo, campanhas de sensibilização e informação têm sido promovidas por todo o país, incentivando os mais cépticos a tomar contacto com os benefícios desta prática de custos zero. Uma hora de meditação por dia!, é o segundo exemplo de vanguardismo e liderança dado por Portugal ao Mundo. Interrogados sobre a inesperada iniciativa, os portugueses afirmaram entusiásticos e concludentes:
O século XX foi o da prossecução do PIB, o século XXI será o da prossecução do FIB! Não alcançámos o maior Produto Interno Bruto, tentaremos alcançar a maior Felicidade Interna Bruta!
E assim, mobilizados por iniciativas disseminadas através das redes sociais, dos variados gadgets e do dinamismo de agentes culturais, ensaístas, poetas, pintores, escultores, pensadores, gente de todas as proveniências e classes sociais, a nova Revolução tomou forma, saiu para a rua e para o espaço dinâmico do Mundo. Portugal teve a sua segunda revolução, a tão almejada Revolução das Mentes!
O Alto Concílio dos Seres Sensíveis e Inteligentes, reagiu rapidamente e com estima a estas boas novas através do seguinte comunicado:
É com regozijo que nesta celebração do Solstício, recebemos notícias tão auspiciosas. A atribuição do estatuto de «sujeito de direito» à Natureza pode efectivamente resolver alguns problemas graves, nomeadamente o problema da devastação ecológica e o abuso sobre os seres não-humanos, animais e não-animais, desencadeados por interesses de sujeitos ou empresas. Como é do conhecimento geral, este tipo de prepotência e violação é exercido frequentemente sobre os seres e estados naturais, que não sendo juridicamente defendidos por «interesses particulares designados», se apresentam em absoluto expostos à devassa do seu território, existência e integridade, em total imunidade legal dos agentes destruidores e infractores. Sendo regra do comportamento terráqueo nas sociedades ditas desenvolvidas, a legalidade e não a ética, Portugal criou deste modo condições legais para a defesa e preservação do que no foro da ética e da moral é legitimado por ser «vivo», por ser «natural», por «ser em si mesmo».
Ainda, e como é do conhecimento público, o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB) ou Gross National Happiness (GNH), tem como base o princípio de que a verdadeira evolução de uma sociedade humana acontece quando o desenvolvimento espiritual e o desenvolvimento material são simultâneos, assim se complementando e reforçando mutuamente. Os quatro pilares da FIB são a promoção de um desenvolvimento socio-económico sustentável e igualitário, a preservação e a promoção dos valores culturais, a conservação do meio-ambiente natural e o estabelecimento de uma boa governança.
O questionamento da tradicional visão humanista e radicalmente antropocêntrica característica dos modelos e práticas de vida nos últimos séculos no Ocidente, conduziu, num momento fulcral de questionamento da moderna pós-modernidade em crise, a esta visão cosmobiológica notável, num país e povo onde, talvez apenas Sokurov, pudesse supôr tais qualidades inesperadas ao afirmar, “(Portugal) É um país espantoso, talvez o mais misterioso da Europa. (…) Muitos portugueses foram pessoas geniais. Portugal será dos países onde há mais génios que não são conhecidos. São pessoas tristes que vivem para si, uma qualidade de experiência pessoal que os diferencia dos demais. (…) Vocês têm uma grande quantidade de energia escondida.”
Estamos, no Alto Concílio dos Seres Sensiveis e Inteligentes, agradavelmente surpresos com a extraordinária, louvável e significativa mudança de paradigma dos portugueses, que dizem «Basta!» aos modelos tradicionais de desenvolvimento económico-industrial-tecnológico que têm como objectivo primordial o domínio do outro e da Natureza! Felicitamos este Portugal universalista, cosmopolita que dá o exemplo, A Natureza enquanto sujeito de direito! A meditação como prática quotidiana!
Feliz Solstício! Feliz Natal! Feliz Ano 2011! Feliz Revolução Mental!
nota: adaptação do texto publicado em “Ideias Perigosas para Portugal”, Tinta-da-China, Lisboa, 2010.
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